Monday 27 December 2004

Classificação de Águas Bravas

Fala-se muito da classificação dos rápidos, mas o que quer dizer realmente um rápido de grau III? Aqui vai o que descobri ao longo de vários anos de descidas bem sucedidas.

Classe I: Fácil

Água em movimento rápido com pequenas ondas.

Nada-se bem e até é agradável, a margem é fácil de alcançar. Bom para esticar as pernas, descansar os braços e refrescar um bocadinho.

Todo o equipamento é recuperado.

Barco sofre um ou dois arranhões quase invisíveis.

Classe II: Iniciados

Rápidos largos e a direito com rotas bem visíveis de dentro do barco. As contras são alcançadas com pouco esforço. Subir para as margens implica trepar por rochas escorregadias e/ou arbustos com espinhos.

A pagaia anda sozinha algum tempo obrigando a andar um bocado até a apanhar. Coisas sem importância desaparecem de dentro do barco (ex. espuma).

Barco bate em rochas debaixo de água deixando marcas no plástico.

Classe III: Intermédio

Rápidos com ondas médias e irregulares que podem ser difíceis de evitar.

Alguma água é engolida mas sem engasgar. As pernas batem contra rochas pontiagudas.

Passam-se várias contras até se conseguir entrar numa.

A decisão de ficar com o barco ou nadar para a margem é difícil.

A pagaia fica às voltas num stopper.

Tudo o que ia dentro do barco sai e é arrastado em diferentes direcções.

Os outros canoistas correm pela margem enquanto gritam instruções úteis (ex. "Nada, nada!! Força!! Para a margem!!")

O barco é comprimido contra um calhau grande deixando marcas fundas.

Óculos escuros saem.

Classe IV: Avançado

A água está muito mais fria que na classe III.

Rápidos poderosos mas previsíveis que requerem técnica de natação precisa e segura. Manobras de natação essenciais para evitar perigos. Manobras de natação "essenciais" passam a "fortemente recomendadas" depois de falhadas. Sensações do tipo "isto não me pode estar a acontecer" antes de ser arrastado através de quedas grandes. Natação frenética para a margem alternada com natação frenética para o meio do rio para evitar sifões.

Agarram-se as rochas com unhas e dentes.

A pagaia é completamente esquecida e deixada ao Deus dará.

Perde-se um sapato/meia neoprene. Pressão da água tira todo o que vai dentro do barco, incluindo saco estanque.

Os companheiros correm pela margem com ar genuinamente preocupado apontando para a queda enorme que aí vem e atiram cordas de arremesso que caem 5 m acima do alvo.

Barco fica preso entre duas rochas e são precisas 5 pessoas, mais de 2 cordas e vários mosquetões para o tirar.

Subir para a margem envolve trepar a várias árvores e escorregar no musgo.

A faca desapareceu do colete, assim como os chocolates/cigarros que iam no bolso do mesmo. As lentes de contacto ficam debaixo das pálpebras.

Classe V: Expert

A água está MESMO fria.

O equipamento é destruído pelas rochas em minutos ou mesmo segundos. Se o barco torna a aparecer, precisa de no mínimo 3 dias de reparações.

Natação impossível, apenas movimentos desesperados para evitar rochas que se movem para nos tentar atingir (ou vice-versa) e para tentar respirar de tempos a tempos.

O pânico invade-nos quando vemos que os companheiros estão já 50 m acima de nós.

O buraco que não parecia muito grande visto da margem prende-nos até os pulmões rebentarem. Mas larga-nos mesmo a tempo de percebermos que faltam 3/4 do rápido para nadar. Tenta-se nadar para a contra mas não há. Rápido tem mais de 500 m ou desnível de mais de 15 m em uma ou mais quedas.

Nos primeiros 10 seg. desaparecem botas/meias, luvas, neoprene, óculos, capacete e tudo o que estava preso no colete.

As rochas tratam das unhas, nós dos dedos, joelhos e pés. O impermeável de 50 contos está completamente cheio de água gelada e com vários rasgões. A pagaia parte-se em 3.

Companheiros na margem fazem cara horrorizada enquanto correm que nem o Bambi atrás da mãe.

Só é possível trepar pela margem depois do barco acabar e normalmente com a ajuda de bombeiros e um colarinho cervical.

Apesar de várias feridas, pés torcidos e eventualmente ossos partidos, não se sente dor por causa da hipotermia.

Não se entra num barco durante 6 meses, ou por causa das lesões ou por bloqueio mental.

Classe VI: World Class

Não recomendado para cair à água.

(traduzido de um post da boatertalk.com)



Thursday 18 November 2004

Comprar kayak

Na altura do Riverbook, era frequente recebermos mails de pessoas a perguntar sobre que kayak comprar. Tantas, que a certa altura tínhamos um texto escrito. Era só fazer copy-paste e adaptar um bocadinho. Era de graça e tudo. Como um dia destes recebi um mail sobre o mesmo tema (algo faz as pessoas confiar em mim para opiniões, preferia que me mandassem cheques em branco, mas é a vida). Aqui vai o que respondi, e é mais ou menos geral. Não se esqueçam do que diz a Dr. Ruthe sobre as opiniões. Quem quiser ajudar a compor o texto, escreva um mail ou ponha um comentário na caxinha em baixo.



Isto de comprar kayaks tem que se lhe diga e é difícil obter opiniões de quem saiba um mínimo do assunto e seja isento e desinteressado. Também não é o meu caso, claro. Percebo um pouco menos que o mínimo, ainda para mais agora que não troco de kayak há alguns anos e não passo horas a navegar pelos sites e críticas. Também não sou isento (quem é?). Sou razoavelmente desinteressado. Tenho amigos que vendem kayaks e simpatizo com algumas marcas e lojas e gosto menos de outras.

Há pessoas que têm lojas ou vendem material e mesmo querendo vender o que têm ajudam a comprar bem. Ou seja, vêm no "cliente" mais que uma margem de lucro. Vêm alguém que partilha da mesma paixão e com quem hão-de remar. Isto aconteceu-me com os irmãos Dureza. Há uns anos, telefonei-lhes a perguntar se vendiam mesmo kayaks da Riot e passado mais-dúzia de dias estava na pickup deles a caminho do Paiva para experimentar o riot Trickster (que comprei e me deu grandes momentos de prazer... ahhhhhhhhh...). Depois disso já desci rio com eles umas quantas vezes. E há mais pessoas que, antes de serem vendedores são pessoas honestas e canoístas interessados.

Como os distinguir? Vários sinais:

  • normalmente, não vendem um kayak sem "obrigar" o cliente a experimentar antes.
  • no meio da conversa deixam de falar da venda e começam a falar de ondas, rios, etc.
  • investe um mínimo na modalidade (como fez o Luc da Outsiders ao emprestar-me um kayak durante um mês!)
  • não tentam enfiar petas sobre os artigos que vendem (este é o único kayak que saltou as cataratas do Niagara e não dobrou...)
  • organiza descidas, ensina os amigos a andar, etc. (como fez o pessoal da Pagayak)
Isto de ter um negócio na canoagem é complicado e nada linear. Porque por um lado, as pessoas têm de levar o negócio a sério pois alguns dependem dele (parcialmente, pelo menos). Mas se têm uma atitude só de negociante, perdem os clientes. A solução, penso eu, é olhar mais à frente e juntar paixão e racionalidade, sabendo que os frutos virão com o tempo.



Os meus parabéns e agradecimentos a todos os que ao longo os anos têm investido neste (pequeno) mercado.



Qual é a melhor maneira de "navegar" no meio disto? Experimentar, experimentar, perguntar e não ter muita pressa. Quando não somos grandes cromos, não percebemos as coisas boas e más à primeira e há sempre muito para aprender.



Há ainda que notar que os barcos têm evoluído muito. Há por aí barcos espectaculares, como o Riot Turbo ou o Air, o Jackson Fun. A diferença entre estes e os antigos (com mais de 3 anos, por exemplo) é brutal. Porque é muito mais divertido, fácil e confortável andar nos novos! Mas são caros...

A decisão tem mais a ver com o dinheiro que se quer gastar, se te importas de daqui a uns tempos estar a trocar de barco (pode não ser mto fácil de vender, mas por outro lado já foi barato).

No fundo, é como comprar um carro velho. Vai servir para as voltas, mas sabemos que nunca vai ser muito confortável nem dar para grandes picanços. Mas também acontece apaixonarmo-nos por ele e não querermos outro!

Há ainda que ter atenção aos acessórios. Um saiote que só serve para um barco é uma chatice e custa sempre uns 15-20 contos! Já agora, é melhor ver se o barco está à medida. Se não estiver vai ser preciso comprar espuma para o finca pés e para as ancas e passar umas horas à volta disso.

Friday 12 November 2004

Segundo

Na verdade, a ideia de escrever este blog surgiu ontem à tarde, quando experimentava um novo kayak no Guincho. A situação era tão estúpida (depois percebem) que só me apetecia descrevê-la. E isso já me tinha acontecido várias vezes. E o espaço para o fazer seria o portugal.riverbook, mas está em coma. A outra opção era o canoagem.online, mas o forum é muito rápido e não se adequa bem a textos grandes. E não é meu! Por isso resolvi-me e abri um blog. É fácil , é barato, dá milhões.

Hoje à tarde talvez escreva o tal post sobre o novo kayak, senão fica para segunda-feira, que não tenho net em casa.

Primeiro

Talvez alguns se lembrem da página de canoagem Portugal Riverbook. Foi feita por dois (grandes) amigos há uma data de anos. Começou por ser a descrição de dois ou três rios, escritas graças à boa memória do Miguel, mas à medida que íamos remando mais lá iam aparecendo coisas novas. Conselhos, palhaçadas, fotos de bebedeiras em casa do Lipinho, etc.

Depois veio uma nova versão da página, já mais bonita e finamente o Ricardo Marvão compôs uma verdadeira obra prima, que chegou a ganhar um prémio de webdesign.



Os tempos mudaram, para nós e na canoagem. Primeiro, o desenvolvimento das nossas vidas tem levado a que outras coisas se tornem mais importantes que a canoagem. E ainda bem. Mal seria se as nossas namoradas (agora mulheres) tivessem de andar à luta com um pedaço de plástico e uns delírios adolescentes. As vidas profissionais levaram-nos para diferentes sítios. Enfim, crescemos e bem!



Mas o sonho de descer rios e apanhar ondas com os amigos, fazer palhaçadas e gozarmos conosco próprios à volta de uma cerveja e dos cozinhados do Lipinho continua!
Na canoagem de águas bravas as coisas mudaram. Dos antigos canoistas (aqueles que já cá andavam antes de nós), uma boa parte continua a bombar. Com a organização do Rui Calado surgiu o CCABP.
Mas uma (ou mais) novas gerações surgiram, felizmente. Há clubes de águas bravas pelo país, vendem-se kayaks por todo o lado, organizam-se descidas, a bem ou a mal. Os guerreiros de fim-de-semana continuam a aparecer, ansiosos por vingarem a semana mal passada. Mas novas caras simpáticas apareceram, cheias de vontade de aprender, ensinar, ajudar, como o pessoal do canoagem.online. E há quem desça de insuflável, de kiwi, topoduo ou no último modelo da última marca. E o forum do canoagem.online tem dado a conhecer esta nova realidade.
Há muito para fazer, pois poucos sabem o que é uma contra ou um mosquetão. Mas o problema é que percebam como isso é importante (cultura não é só museus e ópera).
Então porquê este blog?
Porque me apetece. Apetece-me falar Do kayak. Porque espero um dia destes ter pachorra, tempo e ajuda de alguém para pôr o portugal.riverbook online de novo (talvez quando o Miguel voltar para Portugal), mas entretanto vou apanhando umas ondas, vendo as discussões, descendo uns rios e apetece-me escrever. Se lhes apetecer ler, apareçam, deixem comentários. Se não apetecer, não apareçam. Afinal, o risco é meu.