Thursday 19 May 2005

Lascas e Esfoladelas: memórias da Córsega

Um golpe que cicatrizou mal no nó do dedo indicador da mão direita que me deixou uma marcazinha branca. É a recordação que anda sempre comigo que trago da Córsega e me faz sorrir por dentro quando olho para a mão.
Quando voltei, tinha os nós dos dedos todos esfolados. Quem não me conhece olhava para as minhas mãos e devia pensar que andei ao murro "lá na Corsega, ou onde quer que o gajo andou".
Os amigos adivinham que os rápidos deviam ser de outra raça, diferentes das ondas e quedas do costume. Todos têm razão, os rios eram de outra raça e andei mesmo ao murro ao granito!
Quanto à minha pagaia, olho desconsolado para as pás e vejo as lascas que já saltaram. Parece que andei a cavar com ela. E andei, mas o buraco ficou na pagaia em vez de ficar na rocha! Penso para comigo: por este andar não duras muito! E quando olho para a pagaia dos outros, parecidas com a minha mas com mil vezes mais rios, pergunto-me como é eles faz para elas não se desfazerem à mesma velocidade da minha. Por outro lado, sou o único com as mãos esfoladas...
Então vem-me à cabeça uma frase que ouvi ao Calado no princípio da viagem. Era qualquer coisa assim: "Quando andar a descer os rios em vez de navegar, encosto à boxe!"
E ele tem toda a razão. O que andei a fazer 80% do tempo, foi a descer rio. A água corre para a foz e eu vou para baixo com ela, tento fugir a alguns perigos, entrar numas contras, chegar ao fim do rápido inteiro. Pelo caminho vou dando uns murros nas pedras, uns encontrões com o kayak e lá se vai descendo, com mais ou menos mazelas. Ora isto tem pouco a ver com navegar. E quando, cá de fora ou nos vídeos, vejo os outros a percorrer o mesmo rápido que eu, vejo bem a diferença. Na elegância das remadas, na forma como usam a água, como não precisa de mandar pagaiadas na rocha, na limpeza do trajecto.
Vou percebendo que isto tem muito mais do que me parecia. E ainda bem, há ainda rios para descer (mas é aproveitar) e muitos anos de vida pela frente para aprender! Haja chuva, saúde e boa companhia!

Monday 10 January 2005

Surfada ao Luar

Esta história tem uns 5 ou 6 anos, mais coisa menos coisa. Passou-se durante uma das clássicas viagens ao Minho em Agosto, após a época de exames. Muita coisa mudou, mas a onda continua lá e a amizade também!

Sábado à tarde, primeiro fim-de-semana de Agosto. La Ola foi particularmente generosa connosco. Depois de descer desde Posa com algumas brincadeiras pelo meio, chegamos a Arbo, olhamos para o meio do rio e Voila!! a onda deve estar no ponto!!! É que só dentro de um determinado nível a onda se apresenta surfável e estava mesmo no extremo superior, segundo nos pareceu. Enganamos a fome com umas sandes, esticamos as pernas e lá vamos. O caudal ainda está alto, a onda, surfável e rápida, baixa e sem espuma no topo. No caminho até lá ainda apanhamos uns remoinhos jeitosos, bons para brincar mas que parecem chatinhos de para nadar!!

Resto da tarde: surfar sem parar. Ensaiar uns 360 de fazer inveja a todos os presentes (o Miguel, com o XXX do Zé Tó), um bocado de back-surf, outras manobras absolutamente fantásticas sem nome e irrepetíveis!! E o mais cansativo: tentar convencer os principiantes a ir lá: “Não custa nada!!”, “Vais ver, depois não queres outra coisa”, “Confia em nós!!” Os sorrisos de orelha a orelha denunciavam que tínhamos razão!
Quando estamos para vir embora, aparecem o Vasco e o Lipinho, vindos de Melgaço, onde foram ao supermercado. Lá temos de ficar mais um bocado a fazer-lhes companhia...
Resultado: saímos da água com os braços a pesar que nem chumbo, as pernas retorcidas, mas a cabeça leve. Umas Super Bocks na relva e os braços ficam mais leves. Benditos Vasco e Lipinho, que foram às compras e já sabem como estas coisas funcionam!!!

É agora que vem o motivo da história. O Miguel fala com uns espanhóis que lhe dizem que vão descer o rio desde Cequelinos, esta noite, com a ajuda da lua cheia. Duas e meia no parque de merendas, é o combinado.
Durante o jantar em Melgaço, aparecem o Zé Tó e a Zézinha. Ficam logo interessados na tal surfada, claro! Compramos uma garrafinha de Alvarinho, para festejar não se sabe o quê, e vamos andando para Arbo. Quando lá chegamos, aparecem os espanhóis, já molhados e a rir. Já tinham descido... Afinal não era às duas e meia, mas às" doze e media" espanholas, ou seja, as nossas onze e meia!!! duplo mal entendido!!!!
Não faz mal, pensámos, já cá temos o Alvarinho...
Quem vai, quem não vai.... Há umas desistências honrosas, que dão um enorme jeito para levar os carros de volta a Arbo... Entramos na água em Melgaço, no fim de um estrada digna de uma prova de trial. Somos 5: Miguel, Zé Tó, Raquel, Filipe e eu.
Metade do tempo no escuro, pois a margem esquerda fazia sombra, outra metade a apanhar banhos de lua. O silêncio impera, parece-nos de início, mas os sentidos vão-se adaptando e aguçamos os ouvidos a tentar descobrir o próximo rápido, com certeza uma queda de metros e metros!! O Zé Tó que conhece o rio melhor, descreve várias vezes cada rápido, explica onde vamos entrar, o que fazer, onde sair. O problema é que mesmo com a Lua, nunca vemos o suficiente para nos tranquilizar! Mas ninguém se arrepende, pois o cenário é fantástico, o luar a iluminar as ondas e a espuma uma vista inesquecível.
Chegamos a Arbo num instantinho, onde já nos esperam os desistentes. Tal como à tarde, olhamos para a pedra que nos vai indicar se a onda está à nossa espera... e está! Nem saímos dos barcos, bebemos uns golinhos de Alvarinho para aquecer e entrar em maior harmonia com a região, pois as uvas das quais é espremido este néctar crescem nestas mesmas margens.
Continuamos a descer o rio, cujo caudal ia baixando rapidamente, mas agora vamos só três: eu, Zé Tó e Miguel.
Lá estava a onda, bem negra, quase toda na sombra e à nossa espera. Se de dia parecia brincalhona, agora a conversa era outra. Quem se quer virar no rolo e tentar esquimotar sem ver onde está a luz e sem que os companheiros vejam onde está?
Nem é preciso combinar... Só entra um na onda quando o anterior estiver são e salvo, virado para cima e bem à vista. De tarde era tudo ao molho, empurrões, puxadelas, gritos, surfadas a 2 e a 3. Agora parecíamos uns meninos de coro, alinhadinhos, tentando não desafiar "La Ola".
Entro devagarinho, junto do início do V e deixo-me levar até ao centro, como mandam os livros. Uma pagaiada rápida e estou a surfar. Já não sei descrever o que senti, mas na memória fica a água escura à sombra, completamente negra, a passar depressa por baixo do barco, a fazer cócegas no corpo todo. Atrás de mim, na 2ª onda, está o rolo, onde não quero ir parar, por me fazer lembrar das vezes que me virou. Vou à esquerda, à direita, lembro-me que podia tentar um 180, o nível até está bom, mas não me atrevo, mais tarde, com alguma confiança, já arrisco um back-surf, e fico cara-a-cara com o rolo que me espera quando fizer algum erro.
A surfada é mais curta que o normal, pois quero ser eu a controlar quando e como saio. Chego-me à esquerda, subo na onda, desço de repente e estou na contra-corrente. Mal me vê direito e a remar na sua direcção, entra o próximo, e assim sucessivamente. Não me lembro se alguém esquimotou, mas temos a certeza que largar a pagaia é perdê-la, pois ainda não vendem pagaias que brilham no escuro (talvez um dia venham nos pacotes de batatas-fritas com sabor a presunto!!)

Passado um bocado começamos a pensar em voltar. Já são umas cinco horas, daqui a nada faz-se dia...
Em Arbo estão à nossa espera, a palrar animadamente na relva, enquanto vão debicando umas batatas-fritas e bebendo umas SuperBock fresquinhas. A bem ou a mal, todas as histórias de riotêm de acabar assim!!!

Jackson Fun - test drive

Como alguns leram, EU é que acertei a marca de kayaks (Jackson Kayaks) que a Outsiders começou a vender há uns tempos! Claro que isso, além de me puxar o ego para cima , também me deu direito a andar a passear por aí com um kayak novinho durante uns tempos. Cá vai como tudo correu.

Primeiro, foi porreiríssimo conhecer o Luc e a Jaquelline. Para quem não teve o prazer, o Luc é belga e a Jaqueline é brasileira, e vivem na Ericeira 5 minutos (a pé) da praia. E têm um telheiro cheio de kayaks e pranchas de surf e outros brinquedos para pessoas que se recusam a ficar velhas. Sim, fiquei com inveja, ao pensar no meu apartamento em Lisboa, com um kayak no hall de entrada, motivo de risos dos convidados e desgosto da minha mulher. Como o Luc e a Jaqueline são uns porreiros e me iam emprestar um kayak, mandei a minha inveja ter com o resto de croissant do pequeno-almoço, fiz o melhor sorriso que fui capaz… e lá levei o Jackson Fun para dar umas voltitas. A Jackson faz os seus kayaks numa data de tamanhos. Do Fun fizeram uns 5 tamanhos. Abaixo do que eu experimentei ainda há o Fun 1, o 1.5, o 2 e acima há o SuperFun. As tabelas dizem que para o meu peso (70 kg), o Fun é bom para descer e já um bocadinho grande para rodeo. Mais tarde experimentei o Fun 2 (modelo abaixo) no rio.

Primeira experiência foi só passadas umas 2 semanas. Baldei-me ao trabalho numa sexta-feira ao fim do dia, e fui a abrir em direcção ao Guincho, infelizmente, via 2ª Circular. Quando lá cheguei, a paisagem não era muito animadora: quase noite, mar partido com vento forte… mas a pica era tanta que lá saí do carro e mandei-me à água.

Em primeiro lugar, eu sou um bocado nabo. Sei andar de kayak, apanhar ondas, fazer cutbacks, 360, surfar e tal, mas não percebo quase nada de manobras verticais como cartwhells, loops e outras coisas modernas. Principalmente porque não tenho pachorra para passar horas num rolo a treinar, porque se quisesse aprendia e era o maior, claro! Apesar do de ser um kayak de rio, o Fun porta-se muito bem no mar. É levezinho, o casco é rígido e com boas formas para surfar. Claro que sendo curtinho, não é muito rápido, mas é sempre uma surpresa ver como os designers conseguem fazer barcos tão curtos e mesmo assim, rápidos na onda. No mar partido daquele dia, com ondas a vir de várias direcções, a coisa mais gira para fazer era apanhar uma onda, fazer um cutback noutra que aparecia de lado, continuar, 360, etc. Pela leveza e maneabilidade, o Fun porta-se muito bem. Lot’s of Fun! Inicia bem as manobras verticais e aguenta-se bem a girar e não sei dizer muito mais sobre esta faceta do barco.

Surfei mais umas três vezes com ele, em mares diferentes e confirmou-se mais ou menos esta primeira experiência. Um barco muito divertido, pronto para as curvas e com um design muito moderno e bem conseguido!

Em comparação com outros kayaks com que surfei bastante, o Riot Disco e Trickster, acho que é melhor que o Disco (mais rápido, leve e divertido) mas pior do que o Trickster (o melhor kayak de rio que usei no mar). Infelizmente, a Jackson Kayaks não oferece a possibilidade de instalar fins nos seus kayaks.

Rapidamente se passou o tal mês de experiência e lá fui à Ericeira devolver o kayak. Mas ficou combinado que emprestavam o barco mais uma vez para o experimentar no rio. E passada uma semana, entre o Natal e o Ano Novo lá fui com uns amigos. Trouxemos não só o Fun mas também o Fun 2, para o Pedro Carrilho experimentar.

Faço agora um parêntesis neste já longo texto e falo agora do aspecto exterior e conforto. O kayak está bem construído, tem um aspecto muito bom. Não tem nenhum furo no casco, tudo é montado por dentro. Dizem que é para evitar entradas de água (que na verdade não acontecem muitas vezes e quando acontecem curam-se com um bocadinho de silicone, mas eles lá sabem. Deve simplificar o processo de moldagem do kayak). Não tem pegas de transporte, o que à primeira vista, tornaria o transporte desconfortável, mas verifiquei que, durante uma saída do rio Vouga com uma boa meia hora de alombanço até ao carro, todos preferiam levar o Fun ao ombro em vez dos kayaks com pegas! Não ter pegas também evita a tentação de o arrastar pelo chão. Por outro lado ainda, quando se está a fazer uma portagem em sítios complicados é mais difícil passar o kayak a outra pessoa, que só o pode agarrar pelo cockpit.

Tem dois pontos onde se pode prender um mosquetão, atrás e à frente do cockpit, que não servem para agarrar com a mão, quem quiser pode prender aí um cabo. Achei difícil prender o mosquetão caça-pagaias lá, e ainda mais difícil tirá-lo, pois são pequeninos e muito enterrados no plástico. Estes problemas põem-se principalmente ao levar o kayak para rios mais complicados, onde o Fun, em teoria, não deveria ir!

O chamado outfitting (banco, encosto, finca-pés, apoio dos joelhos, etc) é o melhor que já experimentei. Melhor porque é simples, leve e muito, muito confortável. O banco é apenas uma espécie de espuma presa ao fundo do barco com velcro, com muito bom aspecto). Muito simples, leve e confortável. Nada de bancos de plástico, pesados e que custam a mexer. O encosto é muito bom, com apertos como os das botas de snowboard e abre-se e aperta-se quando se está já dentro do kayak. O encosto dos joelhos é o próprio casco do barco, revestido a espuma nessa zona. Nisto imitaram a Riot e funciona muito bem, porque é simples e a força dos joelhos é transmitida directamente ao barco. Mas o melhor de tudo é o finca-pés, que consiste numa espécie de flutuador com ar e umas bolinhas lá dentro e com dois tubos que vêm até ao cockpit. A ideia é encher de ar, entrar e ajustar os pés dentro do finca-pés, e à medida que se faz isso o ar vai saindo. Ficamos com os pés dentro de uma espécie de puff. Mas depois enchemos com uma bomba de mão que está na ponta de um dos tubos e aquilo torna-se rígido e com a forma dos nossos pés! Ultra confortável e suficientemente rígido, mesmo para manobras que exigem muita força com um dos pés (como um gliqué). Em resumo, o kayak mais confortável em que já entrei, de longe!

Experimentei o Fun 2 (mais pequeno) na parte de cima do Vouga (da ponte de pedra até à barragem) e o Fun na Garganta do Paiva. Ambos os percursos com pouca água e ambos os barcos se portaram bem, sendo que a diferença entre eles é só mesmo o tamanho.

No Vouga havia bastante pedra à mostra, e quem conhece o percurso sabe que é feito de rápidos técnicos com alguma pendente e alguns açudes nojentos (há quem hoste mas eu acho-os nojentos!). Com muita água tenho a certeza que me arrependeria de ter levado o Fun, mas com um nível médio/baixo é capaz de boas recepções, entrar nas contras bem (o casco plano com linhas agressivas ajuda muito). Vê-se que não é um playboat puro e duro, e a facilidade com que pomos o barco na posição que queremos, afundando a popa, por exemplo, ajuda muito a descer nestas condições. Claro que com muita água talvez não tivesse tanta piada! O Miguel Gaspar levou o Fun e gostou muito (está a pensar ficar com um!). Quando saiu da água mostrava o casco em excelente estado, o que mostra que o plástico é bom.

Na garganta do Paiva (também com pouca água) levei o Fun. Este percurso, mesmo em baixo, tem muito mais volume que o Vouga, pelo que deu para perceber como é que o kayak se porta quando as forças são mais intensas! Mais uma vez fiquei muito agradado! O volume do kayak é reduzido, não há milagres, e a sair de alguns rolos vinha um bocado descontrolado (como nas Escadinhas). Mas o kayak tenta mesmo andar à superfície, não debaixo da espuma (como me acontecia nos tempos do meu Trickster!), depois dos saltos em que se cai mais na vertical vem ao de cima bastante controlado e, querendo levamo-lo a todo o lado rapidamente. Para o levar bem num rápido, é preciso ter uma atitude muito agressiva. Temos de estar sempre com uma pá na água e com uma intenção bem determinada (agora quero ir para ali, agora quero contornar esta rocha pela esquerda, etc.). Mas é uma maneira de remar muito mais divertida e onde se aprende muito. Claro que se a garganta tivesse um nível alto nunca levaria este barco! Finalmente, é muito fácil de esquimotar e sai-se bem dele debaixo de água.

Resumo Final:

- Kayak divertido, polivalente, eu cá levava-o para rios até classe III+ ou IV, dependendo do tipo de percurso, companhia, etc. Um óptimo compromisso para quem tem um só kayak para tudo

- Muito bom no mar, dentro das limitações dos barcos de rio.

- Permite com certeza (mesmo não sendo eu expert na matéria) crescer muito em termos de rodeo.

Adorei o conforto (espectacular) e a simplicidade da construção. O kayak mais leve em que já peguei e isso nota-se na água.

Não gostei de não ter pegas e de os pontos de amarração para o mosquetão serem muito recuados.

Pelo preço (está a 770€ até ao fim do mês, e é um kayak deste ano), pode ser uma excelente compra!